Por dentro da greve de streamers da Twitch no Brasil

Apagão acontece nesta segunda, enquanto criadores se unem para mostrar insatisfação com corte de repasses da empresa da Amazon.
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A pandemia fez a Twitch crescer vertiginosamente

1 em abril de 2020 a plataforma de streaming registrou um crescimento de 101% em relação ao mesmo mês do ano anterior.

e, segundo dados da ComScore, a empresa da Amazon tem no Brasil seu segundo maior mercado global, apenas atrás dos EUA. Mercado esse que começa a ter funcionários organizados em busca de repasses mais justos e melhores condições de trabalho.

Dois grandes movimentos nesse sentido surgiram nestes últimos dias, de forte efervescência política entre os streamers: Um deles é o "Apagão da Twitch", que acontece nesta segunda, espécie de greve organizada por streamers insatisfeitos com repasses da empresa, que despencou em um terço. No Twitter, o perfil @apagaotwitch convocou produtores e viewers: "por transparência de dados da Amazon, por pagamento justo aos streamers e para mostrar que não aceitaremos a exploração".

O outro movimento foi a formação da União dos Streamers (que antes usava o nome de Sindicato dos Streamers), que também se manifestou contra a política de pagamentos da plataforma. Apesar das demandas centrais serem parecidas, a União lançou um comunicado se distanciando do Apagão.


É importante porque...
  • Mostra organização e diversidade política entre os streamers e gamers
  • Expõe como acontecem mobilizações trabalhistas em uma categoria que rejeita movimentos e títulos de esquerda

Alexandre Gaulês, streamer com quase três milhões de seguidores, representa uma "terceira via": fez um vídeo sobre a nova política de preços da Twitch e falou que os produtores teriam que se adequar às mudanças, além de dizer que Jeff Bezos "não é patrão, é parceiro". A fala foi criticada por Picoca no Twitter (o tweet foi excluído nesta segunda-feira), outro streamer de expressão e um dos idealizadores da União.

Enquanto uns veem uma categoria de trabalhadores com dificuldade de se reconhecer enquanto classe, outros veem uma inédita e plural tentativa de organização coletiva dentro da gramática de um mundo avesso ao vocabulário e posições de esquerda.

APAGÃO X UNIÃO

O coletivo que puxa o "Apagão da Twitch" se apresenta como um "movimento autônomo e anticapitalista". Fazendo contato pelo perfil do Twitter, conversei com "K", mulher, e "H", homem, viewer e streamer e representantes do movimento, que pediram anonimato "por motivo de segurança dos integrantes".

O argumento apresentado no manifesto da paralisação é estritamente econômico, apesar dos slogans e da caracterização mais política na apresentação do coletivo.

"Anteriormente, o repasse das inscrições pagas para os streamers era de US$1,42 (R$7,59), pelas inscrições normais. Com a mudança nos preços de inscrição na plataforma o valor de repasse passou para U$0,47 (R$2,50), aproximadamente 1/3 do valor anterior".

Eles contam que a ideia do Apagão surgiu em um servidor do Discord e a convocatória inicial surgiu de streamers pequenos, com poucas inscrições. Mas logo streamers maiores e com mais visibilidade aderiram ao movimento espontaneamente, em solidariedade com os menores. Orlando Calheiros, com mais de 19 mil seguidores, é um deles. "Se antes um produtor de conteúdo conseguia já tirar alguns trocados sendo 50 inscritos, agora ele vai ter que ter três vezes mais do que isso", diz.

K e H asseguraram que o movimento não foi puxado pelos que lançaram o manifesto do Sindicato/União em 13 de agosto. "Reconhecemos e achamos importante a iniciativa da União, mas nossa iniciativa é independente". Eles também dizem que o movimento é composto por viewers e streamers pois o dia a dia do Twitch é feito pela colaboração das duas categorias.

A União lançou uma nota em 18 de agosto dizendo que não iria interferir se o streamer quer ou não aderir ao Apagão. "Não incentivamos nada além da negociação, conversa, entendimento, estudo e compreensão das demais demandas da nossa união como grupo", diz um trecho. Entramos em contato com a União solicitando uma entrevista, mas não obtivemos resposta até o fechamento da reportagem.

Procurada pelo Núcleo, a Twitch enviou o seguinte comunicado:

"Apoiamos os direitos de nossos streamers de se expressarem e chamarem a atenção para questões importantes em nosso serviço. Estamos ouvindo este feedback e continuaremos a trabalhar para fazer da Twitch o melhor serviço para os criadores de conteúdo criarem e promoverem suas comunidades."

UBERIZAÇÃO

K, representante do apagão, disse que considera que os streamers vivem uma situação de "uberização". Uberização, de acordo com Ludmila Costhek Abilio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT), é a regulamentação do trabalhador informal sob demanda. A palavra "trabalho" ou "trabalhador" não aparece na convocatória do Apagão e o termo que designa a mobilização não é greve ou mesmo paralisação.

Para Thiago Falcão, professor do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do Laboratório de Pesquisa em Mídia, Entretenimento e Sociedade, trata-se de um movimento social legítimo e muito importante, mas que se confunde ao declarar-se apolítico.

"O movimento é legítimo sobretudo por deslegitimar a ideia de que produzir conteúdo desses caras não é trabalho", diz. "Mas me chama a atenção a composição do movimento e a tentativa de se afastar de uma dimensão política da coisa. Porque historicamente esse tipo de movimentação surge na esquerda. E desde o começo o sindicato tem se afastado dessa ideia. E eu acho que isso ajuda a deslegitimar o movimento."

Um exemplo para ele é o termo "sindicato". "Trocaram o termo sindicato para união. É irônico e muito sintomático: União é a tradução literal de Union que é sindicato em inglês. No fim das contas, é a mesma coisa. Eles reinventaram a roda com outro nome".

Já para Beatriz Blanco, doutoranda do programa de pós graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, e mestre em artes visuais pela Unicamp, "o movimento mostra posições paradoxais que expõem o discurso neoliberal que é predominante nos espaços gamers hoje: a ideia de vencer pelo esforço, de ser empreendedor de si, e de que as plataformas dariam essa autonomia para viver do 'sonho' de trabalhar em games".

"Então por isso é um ambiente em que discursos de mobilização de classe trabalhadora não são bem vistos. E você percebe um esforço em fazer um distanciamento semântico pelo movimento. De não falar sindicato, e sim união, e não falar greve, e sim apagão. É um movimento heterogêneo de uma classe que nunca se viu como classe ou discutiu isso, se mobilizou nesse sentido."

"Tem uma rejeição forte a tudo que parece 'esquerdista' no meio gamer." - Beatriz Blanco

Beatriz acha que eles estão fazendo uma movimentação trabalhista, mas têm rejeição no discurso à movimentação trabalhista. "É isso que gera esse desconforto com linguagem. Eu não acho que são correntes internas. Eu acho que eles tão se vendo numa situação que eles não tem vocabulário para lidar. O que tem é de esquerda e eles não querem".

Para ela, esses discursos precisam sim ser específicos. "Quando esses profissionais vão se colocar como movimento trabalhista eles têm que tomar cuidado com esses acessos que eles negociam também. Ainda não se tem um modelo de mobilização coletiva de classe que contemple essas especificidades da cultura gamer".

COMO FIZEMOS ISSO

Entramos em contato com os organizadores do Apagão da Twitch pelo pelo Jitsi Meet (software livre, utilizado com frequência por ativistas) para garantir a segurança e anonimato dos entrevistados. Também fizemos um levantamento das replies nos posts que repercutiram do Apagão e da União de Streamers. Após isso, entramos em contato com especialistas em cultura dos games e trabalho em plataformas digitais.

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