Os gastos de deputados federais via cota de gabinete para anunciar em redes sociais ou contratar serviços de big techs atingiram um recorde em 2023, R$ 1,94 milhão, mostra um levantamento do Núcleo junto a dados da Câmara dos Deputados.
Só dois deles, Marcelo Queiroz (PP-RJ) e Bruno Ganem (PODE-SP), somaram R$ 525 mil em publis na Meta, um quarto do total custeado pelo parlamento. Ambos têm a defesa da causa animal como principal bandeira, e a maioria das publis é sobre isso.
Esses valores são destinados à "divulgação da atividade parlamentar", uma das despesas que a Câmara pode custear por meio das cotas de gabinete destinadas a deputados. No ano passado, políticos torraram R$ 84,1 milhões com esse tipo de promoção (que pode incluir televisão, jornais e outros meios). Os gastos com redes representam cerca de 2% desse total.
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Gasto com redes sociais via cota de gabinete atingiu R$ 1,94 milhão em 2023 – alta na despesa acompanhou um aumento geral no uso do recurso por deputados
Uso da cota de gabinete para publis em redes sociais é uma das formas com que plataformas lucram com dinheiro público
O salto nos repasses indica que a "divulgação da atividade parlamentar" abocanhou fatia antes destinada à mídia impressa, mas poucos deputados focam nos anúncios digitais
A análise da reportagem levou em conta as despesas via cota parlamentar com empresas de redes sociais – nessa modalidade, políticos só contrataram Meta e Google –, e não contempla eventuais contratações indiretas por meio de agências.
Os dados não foram reajustados pela inflação, a fim de manter o valor nominal de cada ano. Além disso, nem todo gasto com divulgação incluído no levantamento se destinou a impulsionar anúncios – uma parcela pagou por serviços dessas big techs, como nuvem, hospedagem ou processamento de dados, no caso do Google.
Veja os gastos parlamentares de deputados (por partido):
Em nov.2023, por exemplo, Queiroz gastou R$ 33,2 mil em anúncios na Meta, cerca de 80% de sua verba de gabinete naquele mês. No total, parlamentares fluminenses podem gastar até R$ 41,5 mil mensais às custas do congresso, valor que varia segundo o estado do político.
No mesmo mês, Ganem gastou R$ 30 mil também com Facebook e Instagram, por volta de 70% do total de sua cota parlamentar. A dupla gastou em média cerca de R$ 22 mil por mês em anúncios ao longo do ano passado.
Deputados têm uma "cota para exercício da atividade parlamentar" (Ceap) que deve ser usada para custear despesas típicas do mandato, como aluguel de carro, alimentação, combustível e passagens aéreas, entre outras. O valor mensal varia de estado para estado e pode ser conferido aqui. A "divulgação da atividade parlamentar" é uma das modalidades de custeio e serve para o deputado prestar contas ou promover assuntos de interesse do mandato aos eleitores.
Consulte os gastos de parlamentares com redes:
AS PUBLIS. Maior gastador com redes da Câmara, cerca de R$ 273 mil em 2023, Queiroz investiu pesado – ao menos R$ 50 mil dessa fatia – para promover a ideia de uma Política Nacional de Castração Gratuita. No Rio de Janeiro, há um programa estadual do tipo.
Hoje, Queiroz deve ser o candidato do PP para a prefeitura da capital fluminense – ele tem a simpatia do atual governador do Rio, Cláudio Castro (PL-RJ). Boa parte dos anúncios pagos, aliás, valorizam o apoio de Castro aos programas de castração.
Já no caso de Ganem, que gastou R$ 252 mil só na Meta no ano passado, a maior parte do dinheiro foi gasto em abaixo-assinados em apoio a projetos de lei (PLs) ou a iniciativas em defesa dos animais, uma das bandeiras do parlamentar.
Uma delas, por exemplo, pede "prisão a quem maltratar os animais", de acordo com a plataforma de transparência da Meta. Hoje, um PL de autoria do político aumenta a pena para o crime de maus tratos tramita na Câmara.
As perguntas não respondidas que enviamos aos deputados
1) Qual a estratégia digital e objetivo do gabinete para esse volume de gastos?
2) As metas de divulgação do gabinete foram atingidas com esse tipo de investimento?
3) Qual o interesse público em um gasto com redes sociais neste volume, considerando que a verba é pública?
CARNAVAL, JESUS E YOUTUBE. Além de Ganem e Queiroz, um dos principais gastadores foi o deputado Dr. Fernando Máximo (UNIÃO-RO), que ficou no terceiro lugar geral.
Só no último ano, Máximo gastou até R$ 88 mil em publis políticas no YouTube, o maior gasto com Google entre os parlamentares.
A partir de dez.23, ele usou quase R$ 14 mil para anunciar falas suas na tribuna da Câmara pedindo prisão para "quem zombar de Jesus no Carnaval". A campanha rodou até fev.24, segundo a plataforma de transparência do Google.
POR PARTIDO. Os números também apontam que parte da verba parlamentar foi usada para apoiar publis ligadas ao partido Solidariedade, que soma o quarto lugar nos gastos, cerca de R$ 73 mil só na Meta. Nos dados da Câmara, no entanto, essas despesas não aparecerem vinculadas a deputados, mas ao partido.
O valor não bate com o que está na biblioteca de anúncios da Meta, em que o partido soma quase R$ 20 mil em publis, cerca de R$ 53 mil a menos que o computado pelos dados da Câmara. O partido não respondeu às dúvidas enviadas pela reportagem.
Já o quinto lugar nos gastos com redes em 2023, por volta de R$ 50 mil em Instagram, são do deputado cearense Célio Studart (PSD-CE). Uma reportagem do Núcleo apontou que uma parcela desse valor foi gasto em anúncios biscoiteiros direcionados a mulheres jovens de localidades fora do Ceará.
PUBLIS COMEÇAM EM 2016
As primeiras despesas parlamentares com redes são de 2016, quando deputados começaram a gastar em anúncios no Facebook e Instagram. Naquele ano, modestos R$ 11,3 mil foram usados nas redes sociais da Meta.
Ao longo do tempo, no entanto, esse custo incluiu o Google – tanto o YouTube como a plataforma de buscas – e logo abocanhou uma fatia antes reservada a jornais e editoras.
Em 2016, deputados gastaram até R$ 7,1 milhões para divulgar suas atividades nesse tipo de mídia impressa, segundo dados da Câmara analisados pelo Núcleo. Em 2023, oito anos depois, o índice havia caído para R$ 5,7 milhões.
No comparativo ano a ano, a redução nos gastos em 2022, ano em que foram realizadas eleições federais, pode estar ligada ao fato de que é proibido o uso eleitoral da verba de "divulgação da atividade parlamentar" da Câmara.
Como fizemos isso
Por meio da página de dados abertos da Câmara, baixamos em planilhas o ano a ano dos números das despesas de deputados via cota parlamentar. Em seguida, usamos o recurso de "tabela dinâmica" para procurar e filtrar esses gastos.
Por meio da tabela dinâmica, pudemos consolidar uma série histórica de gastos e extrair todos aqueles que foram pagos a empresas de redes sociais. Identificamos despesas diretas somente com Google e Meta, que custearam anúncios e serviços digitais.
No caso dos maiores gastadores, consultamos as plataformas de transparência da Meta e do Google para verificar qual o tipo de anúncio que esses deputados promoveram.
⚠️ Texto atualizado às 18h05 de 23.abr.2024 para ajustar título, primeiros parágrafos e seção "como fizemos isso" para esclarecer que nem todos os gastos de divulgação da atividade parlamentar com redes se destinaram a anúncios. Uma parcela deles também contratou serviços dessas big techs, como nuvem, hospedagem ou outros pacotes.