Como deputados gastaram R$ 1,9 milhão em redes sociais

Parlamentares usam cota parlamentar para anunciar nas plataformas. Consulte em nosso interativo os investimentos, desde 2016, nos serviços da Meta e do Google
Como deputados gastaram R$ 1,9 milhão em redes sociais
Arte: Rodolfo Almeida
⚠️
Esta reportagem foi corrigida.

Os gastos de deputados federais via cota de gabinete para anunciar em redes sociais ou contratar serviços de big techs atingiram um recorde em 2023, R$ 1,94 milhão, mostra um levantamento do Núcleo junto a dados da Câmara dos Deputados.

Só dois deles, Marcelo Queiroz (PP-RJ) e Bruno Ganem (PODE-SP), somaram R$ 525 mil em publis na Meta, um quarto do total custeado pelo parlamento. Ambos têm a defesa da causa animal como principal bandeira, e a maioria das publis é sobre isso.

Esses valores são destinados à "divulgação da atividade parlamentar", uma das despesas que a Câmara pode custear por meio das cotas de gabinete destinadas a deputados. No ano passado, políticos torraram R$ 84,1 milhões com esse tipo de promoção (que pode incluir televisão, jornais e outros meios). Os gastos com redes representam cerca de 2% desse total.


É importante porque...

Gasto com redes sociais via cota de gabinete atingiu R$ 1,94 milhão em 2023 – alta na despesa acompanhou um aumento geral no uso do recurso por deputados

Uso da cota de gabinete para publis em redes sociais é uma das formas com que plataformas lucram com dinheiro público

O salto nos repasses indica que a "divulgação da atividade parlamentar" abocanhou fatia antes destinada à mídia impressa, mas poucos deputados focam nos anúncios digitais


A análise da reportagem levou em conta as despesas via cota parlamentar com empresas de redes sociais – nessa modalidade, políticos só contrataram Meta e Google –, e não contempla eventuais contratações indiretas por meio de agências.

Os dados não foram reajustados pela inflação, a fim de manter o valor nominal de cada ano. Além disso, nem todo gasto com divulgação incluído no levantamento se destinou a impulsionar anúncios – uma parcela pagou por serviços dessas big techs, como nuvem, hospedagem ou processamento de dados, no caso do Google.

Veja os gastos parlamentares de deputados (por partido):

Em nov.2023, por exemplo, Queiroz gastou R$ 33,2 mil em anúncios na Meta, cerca de 80% de sua verba de gabinete naquele mês. No total, parlamentares fluminenses podem gastar até R$ 41,5 mil mensais às custas do congresso, valor que varia segundo o estado do político.

No mesmo mês, Ganem gastou R$ 30 mil também com Facebook e Instagram, por volta de 70% do total de sua cota parlamentar. A dupla gastou em média cerca de R$ 22 mil por mês em anúncios ao longo do ano passado.

🤳
O que é a cota parlamentar?
Deputados têm uma "cota para exercício da atividade parlamentar" (Ceap) que deve ser usada para custear despesas típicas do mandato, como aluguel de carro, alimentação, combustível e passagens aéreas, entre outras. O valor mensal varia de estado para estado e pode ser conferido aqui. A "divulgação da atividade parlamentar" é uma das modalidades de custeio e serve para o deputado prestar contas ou promover assuntos de interesse do mandato aos eleitores.

Consulte os gastos de parlamentares com redes:

Deputado torra dinheiro público para biscoitar no Instagram
Célio Studart (PSD-CE) impulsiona, com dinheiro público, selfies e fotos sem camisa para mulheres entre 18 a 24 anos, muitas vezes que nem são de seu estado

AS PUBLIS. Maior gastador com redes da Câmara, cerca de R$ 273 mil em 2023, Queiroz investiu pesado – ao menos R$ 50 mil dessa fatia – para promover a ideia de uma Política Nacional de Castração Gratuita. No Rio de Janeiro, há um programa estadual do tipo.

Hoje, Queiroz deve ser o candidato do PP para a prefeitura da capital fluminense – ele tem a simpatia do atual governador do Rio, Cláudio Castro (PL-RJ). Boa parte dos anúncios pagos, aliás, valorizam o apoio de Castro aos programas de castração.

Anúncios pagos por Queiroz tentam promover a ideia de um Programa Nacional de Castração de pets aos moldes de projeto fluminense (Reprodução: Biblioteca de Anúncios da Meta)

Já no caso de Ganem, que gastou R$ 252 mil só na Meta no ano passado, a maior parte do dinheiro foi gasto em abaixo-assinados em apoio a projetos de lei (PLs) ou a iniciativas em defesa dos animais, uma das bandeiras do parlamentar.

Uma delas, por exemplo, pede "prisão a quem maltratar os animais", de acordo com a plataforma de transparência da Meta. Hoje, um PL de autoria do político aumenta a pena para o crime de maus tratos tramita na Câmara.

Uma das centenas de anúncios de abaixo-assinados impulsionados por Ganem (Reprodução: Biblioteca de anúncios da Meta)
🤐
A maioria dos políticos contatados pela reportagem não respondeu ao contato do Núcleo. Tentamos falar via email com os deputados Bruno Ganem, Célio Studart, Fernando Máximo e Marcelo Queiroz, além do partido Solidariedade. Apenas Studart, que respondeu a uma série de outras dúvidas a respeito de publis biscoiteiras, deu retorno.

As perguntas não respondidas que enviamos aos deputados

1) Qual a estratégia digital e objetivo do gabinete para esse volume de gastos?
2) As metas de divulgação do gabinete foram atingidas com esse tipo de investimento?
3) Qual o interesse público em um gasto com redes sociais neste volume, considerando que a verba é pública?

CARNAVAL, JESUS E YOUTUBE. Além de Ganem e Queiroz, um dos principais gastadores foi o deputado Dr. Fernando Máximo (UNIÃO-RO), que ficou no terceiro lugar geral.

Só no último ano, Máximo gastou até R$ 88 mil em publis políticas no YouTube, o maior gasto com Google entre os parlamentares.

A partir de dez.23, ele usou quase R$ 14 mil para anunciar falas suas na tribuna da Câmara pedindo prisão para "quem zombar de Jesus no Carnaval". A campanha rodou até fev.24, segundo a plataforma de transparência do Google.

POR PARTIDO. Os números também apontam que parte da verba parlamentar foi usada para apoiar publis ligadas ao partido Solidariedade, que soma o quarto lugar nos gastos, cerca de R$ 73 mil só na Meta. Nos dados da Câmara, no entanto, essas despesas não aparecerem vinculadas a deputados, mas ao partido.

O valor não bate com o que está na biblioteca de anúncios da Meta, em que o partido soma quase R$ 20 mil em publis, cerca de R$ 53 mil a menos que o computado pelos dados da Câmara. O partido não respondeu às dúvidas enviadas pela reportagem.

Já o quinto lugar nos gastos com redes em 2023, por volta de R$ 50 mil em Instagram, são do deputado cearense Célio Studart (PSD-CE). Uma reportagem do Núcleo apontou que uma parcela desse valor foi gasto em anúncios biscoiteiros direcionados a mulheres jovens de localidades fora do Ceará.

PUBLIS COMEÇAM EM 2016

As primeiras despesas parlamentares com redes são de 2016, quando deputados começaram a gastar em anúncios no Facebook e Instagram. Naquele ano, modestos R$ 11,3 mil foram usados nas redes sociais da Meta.

Ao longo do tempo, no entanto, esse custo incluiu o Google – tanto o YouTube como a plataforma de buscas – e logo abocanhou uma fatia antes reservada a jornais e editoras.

✝️
O PIONEIRO. No início de 2016, o ex-deputado federal Cabo Daciolo, na época eleito pelo partido PATRIOTA no Rio de Janeiro, foi o primeiro deputado a gastar sua cota parlamentar com redes sociais, segundo dados da Câmara.

Em 2016, deputados gastaram até R$ 7,1 milhões para divulgar suas atividades nesse tipo de mídia impressa, segundo dados da Câmara analisados pelo Núcleo. Em 2023, oito anos depois, o índice havia caído para R$ 5,7 milhões.

No comparativo ano a ano, a redução nos gastos em 2022, ano em que foram realizadas eleições federais, pode estar ligada ao fato de que é proibido o uso eleitoral da verba de "divulgação da atividade parlamentar" da Câmara.

Como fizemos isso

Por meio da página de dados abertos da Câmara, baixamos em planilhas o ano a ano dos números das despesas de deputados via cota parlamentar. Em seguida, usamos o recurso de "tabela dinâmica" para procurar e filtrar esses gastos.

Por meio da tabela dinâmica, pudemos consolidar uma série histórica de gastos e extrair todos aqueles que foram pagos a empresas de redes sociais. Identificamos despesas diretas somente com Google e Meta, que custearam anúncios e serviços digitais.

No caso dos maiores gastadores, consultamos as plataformas de transparência da Meta e do Google para verificar qual o tipo de anúncio que esses deputados promoveram.


⚠️ Texto atualizado às 18h05 de 23.abr.2024 para ajustar título, primeiros parágrafos e seção "como fizemos isso" para esclarecer que nem todos os gastos de divulgação da atividade parlamentar com redes se destinaram a anúncios. Uma parcela deles também contratou serviços dessas big techs, como nuvem, hospedagem ou outros pacotes.

Texto e Dados Pedro Nakamura
Arte e Gráficos Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico e Sérgio Spagnuolo

Receba nossas newsletters e traga felicidade para sua vida.

Não perca nada: você vai receber as newsletters Garimpo (memes e atualidades), Polígono (curadoria de ciência nas redes sociais) e Prensadão (resumo semanal de tudo o que o Núcleo fez). É fácil de receber e fácil de gerenciar!
Show de bola! Verifique sua caixa de entrada e clique no link para confirmar sua inscrição.
Erro! Por favor, insira um endereço de email válido!