Influenciadores bombados lucram com anabolizantes clandestinos no Instagram e no TikTok

Plataformas toleram o comércio ilegal das chamadas "bombas", exposto a milhões de seguidores
Influenciadores bombados lucram com anabolizantes clandestinos no Instagram e no TikTok
Arte por Rodolfo Almeida/Núcleo Jornalismo
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Laboratórios clandestinos e influenciadores de musculação encontraram no Instagram e no TikTok espaços abertos para vender anabolizantes ilegais e adulterados.

Por meio de promoções anunciadas nos stories ou em links na bio, perfis verificados em ambas as plataformas direcionam seguidores para chats comerciais no WhatsApp onde é feita a venda de hormônios que levam a ganhos musculares rápidos ao custo de danos graves à saúde.

O Núcleo identificou que fisiculturistas com milhões de seguidores expõem esses anabolizantes clandestinos à venda livremente na rede social da Meta, enquanto a plataforma da ByteDance permite que tags e vídeos destinados à promoção e apologia de esteroides underground circulem na plataforma e sejam promovidos por seus algoritmos.

A marca clandestina Oxygen Pharma, por exemplo, mantém como garotos-propaganda dois dos maiores influenciadores fitness do país no Instagram: Fábio Giga (2,4 milhões de seguidores) e Tenente Breno (1,9 milhão de seguidores).

Ambos publicam links para um chat comercial de venda de anabolizantes nos próprios stories ou em destaques em seus perfis, além de marcar páginas do laboratório na rede social em publicações ou na bio.


É importante porque...

Entidades médicas consideram o uso de anabolizantes por praticantes de musculação um problema de saúde pública no país

Em abril deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a prescrição de esteroides anabolizantes para pacientes que buscam músculos maiores, beleza ou performance esportiva por causa do crescimento desse mercado apesar de seus riscos à saúde

O livre comércio de anabolizantes clandestinos nessas redes sociais indica que as plataformas podem ser consideradas coniventes com a prática de infrações sanitárias e crimes contra a saúde pública, além de, em alguns casos, até lucram com isso


Ainda no Insta, influenciadores de musculação menores, mas ainda com grande alcance, como Marcão dos Venenos (214 mil seguidores), Rafa Marttinz (145 mil seguidores) e Leonardo Scarpelly (143 mil seguidores) também realizam esse tipo de divulgação. Rafa promove ainda os "venenos" para os cerca de 2,8 milhões seguidores que tem no TikTok. 

No Brasil, o comércio de medicamentos falsificados é considerado crime contra a saúde pública conforme o código penal e infração sanitária de acordo com a legislação sanitária federal, o que pode acarretar multas de até R$ 1,5 milhão e uma pena entre 10 e 15 anos de prisão, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

Em nota, a agência afirmou que influenciadores podem ser responsabilizados pela promoção de bomba nas redes sociais “em se tratando de anúncios pagos, contas/páginas pagas, links patrocinados, por se tratar de venda de espaços publicitários para promoção comercial do produto”.

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A Anvisa confirmou ao Núcleo que a Oxygen Pharma se trata de um laboratório sem registro ou autorização para funcionamento. “Logo, ao fabricar e comercializar anabolizantes cometem infração sanitária e crime contra a saúde pública”, disse. “Qualquer medicamento anabolizante que não esteja autorizado pela Anvisa é um produto ilegal”. Comercializar anabolizantes, que constam em lista de controle especial, é um agravante.
Ajude o Núcleo a continuar fazendo investigações como essa com apenas R$10.

DISQUE-BOMBA. Militar do Exército, candidato a vereador em 2020 pelo PSL em São Paulo e ex-assessor legislativo do deputado estadual paulista Tenente Coimbra (PL), o fisiculturista Breno Freire mantém anúncios para o laboratório underground Oxygen em seu perfil. O influenciador publica stories com promoções de bomba e mantém a publicidade nos destaques da sua página.

O Núcleo enviou mensagens ao fisiculturista por meio de sua página no Instagram porque não localizou emails ou páginas de uma assessoria de comunicação do influenciador. O fisiculturista não visualizou. 

Nos destaques do tenente Breno, a promoção do laboratório ilegal Oxygen é misturada ao lado de produtos regulares, como marcas de roupas e suplementos

Influenciador posta stories linkando o seu “cupom” e destacando que o laboratório fornece “seguro grátis”. A garantia é oferecida para o caso da bomba clandestina, que é enviada pelos Correios, ser apreendida.
Quem clicar nos links da Oxygen no perfil de Breno é direcionado para um chat comercial do laboratório clandestino

Após o contato, o laboratório underground dá a garantia que “se não bater, você terá 100% do valor (do anabolizante) devolvido” e envia uma tabela de preços para esteroides injetáveis e orais adulterados. A reportagem perguntou se havia entregas atrasadas porque um influenciador patrocinado pela marca postou um stories afirmando que 1,5 mil envios do produto ilegal haviam caído todos.

O influenciador Fábio Giga divulga a Oxygen de maneira semelhante à do Tenente Breno, com stories e publicações no feed em parceria com o laboratório.

O fisiculturista foi contatado por meio de seu email pessoal, localizado em CNPJs e sites em seu nome, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Giga também mistura em sua página a oferta da marca de anabolizantes clandestinos com a de produtos legais, como suplementos.

Em seus stories, Giga oferece um “boné exclusivo” para quem gastar mais de R$ 400 em bomba clandestina.. Como Breno, Giga direciona seus seguidores para uma página de vendas da Oxygen via WhatsApp
Foto de Giga em uma das páginas do laboratório clandestino Oxygen (https://www.instagram.com/oxygen.brazil/)

LUCRO COM CRIME. Contatada por meio de sua assessoria de imprensa sobre a promoção de anabolizantes na plataforma, a Meta, dona do Instagram, disse proibir substâncias, produtos ou suplementos que podem apresentar algum risco à saúde em suas plataformas e recomendou às pessoas que denunciassem esses conteúdos por meio do próprio aplicativo.

RESPOSTA DA META NA ÍNTEGRA

Proibimos a venda de medicamentos controlados e de substâncias, produtos ou suplementos que podem apresentar algum risco à saúde em nossas plataformas.

Usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para aplicar nossas políticas, removendo conteúdos violadores.

Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra as Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através do próprio aplicativo.

Ao longo da apuração, para além de uma série de influenciadores, o Núcleo constatou que o próprio Instagram lucra com a propaganda de esteroides anabolizantes clandestinos.

Após acessar uma série de perfis com conteúdo apologético à bomba, o algoritmo da plataforma passou a exibir anúncios pagos por laboratórios underground no feed e em stories.

Também promoveu conteúdos de influenciadores que ensinam como usar hormônios para ganho muscular.

Conteúdo patrocinado no Instagram promove “danones” e “paradinhas”, gírias usadas para anabolizantes, com links para laboratórios clandestinos.

DANONES E PARADINHAS. No TikTok, a busca por gírias usadas para designar anabolizantes como “danones” e “paradinhas” retorna uma série de memes e vídeos de “humor maromba” que fazem apologia ao uso de esteroides anabolizantes clandestinos. 

Como no caso do Instagram, ao longo da apuração, após a busca de conteúdos ligados à musculação na plataforma, o algoritmo do TikTok também passou a exibir com maior frequência vídeos de apologia a anabolizantes, produzidos por usuários que mantém links para laboratórios clandestinos em seus perfis.

Contatado, o TikTok respondeu com o link de diretrizes da rede social e disse que a plataforma "não permite a facilitação do comércio de produtos e serviços regulamentados, proibidos ou de alto risco. Esses conteúdos são removidos assim que identificados e nós também incentivamos toda nossa comunidade a denunciar caso veja algo que possa ser ofensivo ou que viole nossas políticas".

A busca por “danones” na rede social retorna uma série de vídeos de “humor maromba” em que usuários simulam a injeção de anabolizantes no corpo ou fazem apologia a esteroides. Os conteúdos aparecem misturados a materiais que, em menor quantidade, realmente se referem ao iogurte.

"Morrer grandão"

Um dos maiores influenciadores de musculação da plataforma, Rafa Martinz, com 2,8 milhões de seguidores, chega a promover como meme o uso indiscriminado do medicamento à base de testosterona “Durateston”, aprovado no país para o tratamento de deficiência hormonal. 

Em um de seus vídeos, por exemplo, Martinz diz receber “muitas dúvidas” sobre com que idade já se pode “tomar durateston” com o objetivo de ficar musculoso. O influenciador exibe então uma foto enviada por um seguidor onde uma criança segura embalagens do medicamento anabolizante. “Nasceu? É durateston na mamadeira se não vai morrer frango”, diz o influenciador. “Todo mundo aqui quer morrer grandão.”

O Durateston tem registro sanitário, mas costuma ser alvo de falsificações e contrabando, assim como o esteroide Deca-Durabolin. Ambos são produzidos no país pela farmacêutica Aspen, que disse ao Núcleo que seu remédio é um medicamento controlado com promoção para o público proibida pela Anvisa.

“Posts e quaisquer outras publicações envolvendo Durateston não são autorizados pela Aspen Pharma e podem ser notificadas pela empresa, sob pena das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis”, disse a farmacêutica Aspen em nota ao Núcleo.

Assim como Tenente Breno e Fábio Giga, Rafinha também é patrocinado pelo laboratório clandestino Oxygen. Nos stories de seu Instagram na última semana, o influenciador chegou a passar um aviso aos seus seguidores, que estavam reclamando de entregas de bomba não realizadas.

“O último envio caiu ele todo, mais de 1500 que caíram”, disse. “Tem que lembrar também que não é um mercado completamente seguro, mas vai ser feito o reenvio e vai chegar na sua casa, tá bom?”

Rafinha também é patrocinado pelo laboratório clandestino Oxygen e mantém anúncios para a compra de bomba em sua bio do TikTok, além de vídeos com piadas sobre durateston em seus destaques na plataforma.

Em um de seus vídeos no TikTok, Rafinha, que tinha 22 anos na época, explica como foi usar trembolona, substância sem autorização sanitária para circular no país. “Vale a pena utilizar trembolona para ficar ‘shapado’, mas fodido da cabeça e com cara de 35 anos?”, pergunta aos seguidores. A resposta de diversos comentários: “Lógico que vale”.

TREMBOLONA COM URUCUM

No ano passado, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) lançaram posicionamentos afirmando que o uso de esteroides havia se tornado “um problema de saúde pública” no país.

Como o efeito anabólico de esteroides só é possível em doses muito altas, são comuns uma série de efeitos adversos que afetam cérebro, fígado, pele, sistema cardiovascular e sistema reprodutor. Além disso, para se manter o shape, é necessário o uso contínuo da bomba. 

Em homens, anabolizantes induzem o corpo a uma deficiência hormonal artificial. Com isso, ao abandonar os esteroides, os testículos demoram até recuperar a produção natural de testosterona, o que leva à perda do shape e a sintomas como depressão e fadiga. Já em mulheres, o uso da bomba leva à virilização (surgimento de características masculinas exageradas).

O perigo é agravado pelo uso de medicamentos injetáveis produzidos por laboratórios clandestinos em péssimas condições sanitárias.

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A prescrição médica de esteroides anabolizantes é irregular para beleza ou performance esportiva, usos que não são seguros e acarretam danos à saúde. No entanto, a prescrição feita com respaldo científico, como para o tratamento da deficiência de testosterona (hipogonadismo) ou na terapia hormonal para pessoas transexuais, não enfrenta restrições do CFM ou da Anvisa.

Em abril, por exemplo, a polícia civil goiana fechou um laboratório de produção de anabolizantes localizado em Anápolis, cidade a 60 km de Goiânia, que distribuía bomba ao país inteiro por meio da venda pelas redes sociais, em esquema semelhante ao da Oxygen.

“É importante ressaltar o perigo dessas substâncias fabricadas de forma clandestina”, disse ao Núcleo o delegado Jorge Bezerra, do Grupo Especial de Investigações Criminais de Anápolis, responsável pela operação.

De acordo com Bezerra, os fabricantes de bomba adulterada investigados usavam o tempero urucum, ou coloral, para dar cor à trembolona produzida clandestinamente. “Não existia controle ou pessoa técnica que participava da produção”, explica. “Era tudo feito de forma artesanal, um grande risco à saúde pública.” Segundo a investigação, o chefe do esquema era um influenciador digital.

O médico endocrinologista e do esporte Clayton Macedo, presidente do Departamento de Endocrinologia do Esporte e Exercício da SBEM, alerta que as consequências do uso de esteroides injetáveis clandestinos são imprevisíveis. “O que acontece mais é contaminação e falta de cuidados, até de esterilização, então há muita necrose de tecido, sepses e até morte”, explica. 

Também não há garantia de que as dosagens de hormônios que constam nesses medicamentos são as prometidas.

Já vi de tudo: desde paciente que toma doses teoricamente pequenas com níveis de testosterona elevados desproporcionalmente ao que foi usado e também o contrário... Ele toma (anabolizantes) e, quando dosamos a testosterona, parece que não usou muito.
- Clayton Macedo, da SBEM
Em conversa com um vendedor da Oxygen, os perfis dos influenciadores Fábio Giga e Tenente Breno são indicadas como referência para se encontrar as páginas do laboratório no Instagram

MORTE ANABÓLICA. No início de julho, morreu aos 30 anos de idade o influenciador e fisiculturista alemão Jo Lindner, conhecido nas redes sociais como Joesthetics e com mais de 10 milhões de seguidores no Instagram. A causa divulgada foi um aneurisma (rompimento arterial que leva à hemorragia), complicação que pode estar ligada ao abuso de esteroides anabolizantes por conta do efeito nocivo dessas drogas ao sistema cardiovascular do corpo humano.

Quatro dias antes de falecer, Lindner publicou uma foto em seu perfil onde falava que ficou um ano sem usar esteroides, mas não conseguiu recuperar seus índices normais de testosterona, o que o levou a voltar a usar hormônios. “Confiem em mim, eu tentei parar, mas entendam que isso pode ter efeitos de longo prazo para suas vidas”, escreveu.

COMO FIZEMOS ISSO?
Após uma ronda em perfis no Instagram de influenciadores digitais ligados à musculação, foi identificado que o laboratório Oxygen patrocinava diversas personalidades fitness com muitos seguidores.

A partir daí, a reportagem consultou órgãos oficiais para confirmar se a operação tinha ou não registro sanitário. Em seguida, a reportagem verificou as publicações desses mesmos influenciadores no TikTok e constatou que o algoritmo passou a promover conteúdos relacionados a tags associadas à apologia de esteroides.

Reportagem Pedro Nakamura
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico

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