Raio-X é uma editoria de análise crítica

Canais do WhatsApp: novo recurso, velhos hábitos

A imprensa está sem criatividade para compartilhar conteúdo em canais no WhatsApp
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Raio-x é uma editoria de análise crítica do Núcleo e contém opiniões

Por muito tempo o WhatsApp foi posicionado como um aplicativo de mensagens entre pessoas, um a um – no máximo uma ferramenta de comunicação entre pequenos grupos. Tentativas de distribuir conteúdo em massa usando gambiarras, como múltiplos grupos, eram coibidas.

Isso mudou. Em 2022, a Meta engrenou uma sequência de novidades no WhatsApp que segue com força total até agora, reposicionando o app para brigar por mercados já ocupados por apps rivais, como Discord e Telegram.

É para conversar com os amiguinhos, sim, mas também para se informar, comprar, organizar os grupos do condomínio, do trabalho, enfim, passar o maior tempo possível ali dentro. O WhatsApp é o mais próximo que o Ocidente tem de um “super app” que tem tudo.

Um dos recursos que desembarcaram no WhatsApp foram os canais de distribuição, à imagem e semelhança do homônimo do Telegram, disponível desde set.2015.

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Os canais funcionam como micro blogs paralelos às conversas e grupos. A pessoa se inscreve nos canais que quiser e passa a receber atualizações em ordem cronológica inversa (sem algoritmo ordenando e filtrando as atualizações).

Aos que se lembram ou ainda usam, é como um agregador de feeds RSS, só que alimentado manualmente pelo dono(a) do canal.

Primeiramente lançados em testes na maior parte do ano, os canais do WhatsApp foram liberados para todos em setembro. E já são um sucesso, tendo alcançado meio bilhão (!) de pessoas no mundo todo em menos de dois meses.

No Brasil, alguns privilegiados — famosos, times de futebol e imprensa — tiveram acesso à “pista VIP” do WhatsApp, com canais verificados destacados e encontráveis na pesquisa do aplicativo.

Mesmo avesso a tudo que vem da Meta, arranjei um lugarzinho na arquibancada e coloquei no ar um canal do Manual do Usuário (o Núcleo também tem um). Não é todo dia que aparece uma chance de falar com 99% dos brasileiros que têm celular. Em paralelo, inscrevi-me em um punhado de canais de sites jornalísticos generalistas e focados em tecnologia, a fim de observar e aprender.

E… bem, o que aprendi é que não aprendemos nada, nós da imprensa.

Em questão de dias, esses canais do WhatsApp viraram listas de links. Listas preguiçosas, com uma chamadinha simples (resumo nível ChatGPT) e um famigerado link que te leva a algum site.

Até eu, que adoro sites, vivo na web e defenderei espaços abertos no digital até o fim, achei a experiência péssima — e não por culpa do WhatsApp. Parece que falta à imprensa a capacidade de ler o ambiente e de se livrar de vícios que, convenhamos, já não funcionam mais em lugar algum, do WhatsApp ao Facebook, passando por Twitter, LinkedIn, insira-uma-rede-social-aqui.

São raríssimos (se é que existem) links que chegam a grupos ou conversas no WhatsApp com aquele selo “muito encaminhado”. Porque, acho que todos sabemos, o WhatsApp é um jardim murado. Para uma galera, a internet (ou grande parte dela) se resume ao WhatsApp.

Nesse sentido, colocar um link ali no canal é pedir para que o usuário abandone o WhatsApp e acesse um site qualquer. Esse pedido não ocorre no vácuo e está longe de ser trivial.

Primeiro, porque o clique disputa o dedo do usuário com vídeos nativos (e de grande apelo), imagens de bom dia, áudios de gente querida, demandas do trabalho. A concorrência por atenção no Zap é brava.

O que um simples link tem de atrativo, de especial em canais já inundados com dezenas de links diários? Mais fácil ignorar.

Não bastasse essa questão, temos ainda as ordens de natureza econômica que também jogam contra os links. Tem alguém que paga pelos dados trafegados pelo WhatsApp? Não, porque as operadoras subsidiam esse tráfego (zero-rating). Já os dos links, sim, são pagos, todos pagamos com dados da franquia.

E, além de pagar, ao clicar em um link ainda corre-se o risco de dar com a cara em um paywall ou ser afogado por anúncios e pop-ups invasivos, porque sites jornalísticos estão longe do estado da arte do web design.

Não vou citar nomes porque não é necessário. Procure o canal de qualquer site de notícias no WhatsApp para testemunhar a preguiça em estado puro.

Cadê o conteúdo completo para eu encaminhar aos meus amigos? O vídeo curto e instigante que alguém querido vai curtir ver ali? A… sei lá, a imagem de bom dia!? A essa altura, me contento com qualquer coisa que não seja um maldito link.

Uma reclamação recorrente dos que sacaram a novidade dos canais e decidiram dar uma chance a eles é que ficam meio escondidos, enterrados em uma aba à parte e com notificações desativadas por padrão.

Talvez seja melhor assim. Ao menos evita que o vexame do jornalismo brasileiro nas redes sociais seja testemunhado por muita gente.

Edição Sérgio Spagnuolo

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