Geralzão sobre processo que acusa a Amazon de monopólio nos EUA

A principal autoridade comercial dos EUA está acusando a Amazon de manipular preços e causar prejuízos aos consumidores, em um processo com o potencial de transformar radicalmente as operações da Big Tech
Geralzão sobre processo que acusa a Amazon de monopólio nos EUA
Arte por Rodolfo Almeida (Núcleo Jornalismo)
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A Amazon está sendo acusada pela Federal Trade Commission (FTC) e promotores de 17 estados dos EUA de empregar práticas abusivas, como manipulação de preços e seleção de produtos, para manter seu domínio no mercado de varejo online.

Uma ação de 172 páginas diz que a empresa adota condutas que restringem a concorrência e impedem outros competidores de desenvolver uma base significativa de compradores e vendedores, o que poderia ser prejudicial aos consumidores.

Como consequência, as autoridades procuram obter uma liminar permanente em tribunal federal, que impediria a Amazon de continuar com práticas consideradas ilegais e “enfraqueceria o controle monopolista” da empresa para “restabelecer a concorrência” no setor.

CONCORRÊNCIA SUFOCADA

O documento oferece um olhar detalhado sobre as ações que, segundo os reguladores, teriam sufocado a concorrência no setor de varejo. Algumas delas seriam:

📉 Anúncios nos resultados de busca acima de produtos que organicamente conquistaram o primeiro lugar.

Como os vendedores seriam forçados a comprar anúncios na Amazon

Segundo a FTC, a Amazon aumentou a quantidade de anúncios em resultados de busca, pressionando os vendedores a anunciarem para garantir visibilidade de seus produtos.

Documentos indicam que, apesar de uma leve queda nas vendas devido aos anúncios proeminentes, a receita da Amazon cresceu. Estas informações vieram à tona em 2021 após uma queixa do Centro de Organização Estratégica (SOC), representante de quatro milhões de trabalhadores em diversos setores.

  • 🛒 Preço-base elevado para todos os varejistas online ao punir vendedores que pratiquem preços mais baixos em outros lugares.

Rebaixamento e punição de vendedores que anunciam em outros varejos

A FTC acusa a Amazon de penalizar vendedores que oferecem preços mais baixos em outros sites, levando-os a inflacionar os preços na plataforma para evitar sanções como menor visibilidade ou suspensão das vendas. Enquanto a Amazon defende a prática como proteção ao consumidor, a FTC vê isso como criação de um piso de preço artificial. Temendo represálias, vendedores podem repassar taxas da Amazon aos preços, evitando descontos em outros locais.

A queixa também cita, embora em trechos fortemente redigidos, restrições impostas aos fornecedores principais da Amazon contra vendas a preços menores a concorrentes.

  • 🛍️ Condicionalidade do selo “Prime” ligado ao uso do custoso serviço de atendimento da Amazon, prejudicando a competição.

Como a Amazon estaria forçando o Prime para consumidores e vendores

A FTC alega que a Amazon usa sua assinatura Prime para desencorajar o uso de serviços concorrentes, pois o pacote abrangente da Amazon torna os consumidores menos propensos a buscar alternativas.

Uma acusação anterior da FTC, de junho, afirmava que a Amazon enganava consumidores para que se inscrevessem no Prime e dificultava o cancelamento.

  • 🤖 “Projeto Nessie”, um algoritmo que visaria elevar artificialmente os preços da Amazon ao máximo possível para testar se os varejistas concorrentes seguiriam a mesma prática, aumentando os lucros de todos à custa dos consumidores.

A Amazon rebateu as acusações de comportamento anticompetitivo, com David Zapolsky, seu conselheiro geral, alertando que o caso pode levar a aumentos de preços e atrasos nas entregas. No comunicado à imprensa, a empresa aproveitou para alfinetar a FTC, dizendo que a entidade possui um entendimento falho do setor de varejo.

A treta entre Big Techs e Lina Khan, presidente da FTC

Desde 2021, a FTC é presidida por Lina Khan, uma advogada especialista em monopólios.

Em 2017, quando ainda era estudante em Yale, ela publicou um artigo acadêmico que ganhou notoriedade, intitulado “Amazon's Antitrust Paradox”. O trabalho desafiou a noção convencional de que apenas as práticas que resultam em preços mais altos para os consumidores devem ser vistas como anticompetitivas.

Após sua indicação à presidência, tanto a Amazon quanto o Facebook, pertencente à Meta, apresentaram petições para impedir que ela pudesse chefiar investigações contra as empresas, argumentando que as críticas anteriores de Khan às Big Techs indicavam falta de imparcialidade.

Recentemente, Lina Khan enfrentou críticas de parlamentares, reguladores e acadêmicos após a FTC perder um caso referente à aquisição da Activision Blizzard pela Microsoft, assim como um outro envolvendo a Meta. Em resposta, ela tem se reunido com diretores e executivos de empresas do Vale do Silício, especialmente em função do litígio com a Amazon e da nova ordem executiva do governo Biden, que estabeleceu uma estratégia de governança nacional para a inteligência artificial.

ENTENDENDO COM ESPECIALISTAS

Camila Leite Contri, especialista no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em Direitos Digitais e Telecomunicações, disse ao Núcleo que a Amazon atua tanto como plataforma quanto concorrente dos vendedores, o que pode levantar preocupações de práticas anticoncorrenciais como inflação de preços e obstrução da inovação.

Contri destacou o potencial impacto global das regulações de plataformas digitais, exemplificando com o caso do Departamento de Justiça dos EUA contra o Google. Ela sugere que decisões favoráveis nessas disputas podem indicar uma mudança na postura de países que protegem suas empresas de tecnologia e influenciar o cenário regulatório internacional para lidar com condutas prejudiciais em empresas de tecnologia.

A especialista mencionou ainda a implementação do Digital Markets Act (DMA) pela União Europeia e debates similares nos EUA e no Brasil, ressaltando que o sucesso desses casos pode influenciar a legitimidade dessas regulações em todo o mundo.

“Se esses casos são bem-sucedidos, vemos uma sinalização de um país que muitas vezes é protecionista com suas próprias plataformas, se vê um movimento de legitimação da preocupação de como as plataformas digitais estão afetando os mercados.”
Camila Leite Contri, do Idec

Se a direita ganhar a presidência dos EUA em 2024, o caso vai de arrasta pra cima?

É muito difícil que o caso seja concluído ainda durante o mandato de Biden, que teoricamente, caso ele não seja reeleito, finaliza-se em jan.2025. Isso ocorre porque o sistema judicial é lento, e, para que as audiências comecem, é necessário convocar testemunhas e decidir várias etapas do processo.

No entanto, isso não necessariamente significa que o caso será descartado após uma eventual mudança de partido na presidência dos EUA.

A maioria dos políticos americanos tem defendido algum nível de regulamentação para empresas de tecnologia como um todo, e as investigações contra a Amazon pela FTC começaram ainda na presidência do ex-gestor Joe Simons, nomeado pelo ex-presidente republicano Donald Trump.

E O BRASIL?

O Núcleo questionou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), se o órgão poderia seguir os processos judiciais internacionais contra a Amazon e, possivelmente, adotar medidas próprias. Em resposta, a assessoria do Cade declarou que, apesar de realizar um monitoramento ativo do mercado digital internacional, não existem, até o momento, investigações públicas nacionais em andamento contra a empresa.

Camila Contri apontou que, embora os casos internacionais possam servir de exemplo, é crucial considerar as condições locais; no Brasil, a posição de mercado da Amazon não é tão dominante quanto nos EUA. Isso é relevante para a aplicação do direito de concorrência brasileiro, que só considera uma posição dominante a partir de 20% poder sobre o mercado.

Ao Núcleo, ela afirmou que o Cade está redirecionando sua atenção para o comércio digital, porém, por ora, de maneira predominantemente teórica, com ações como a criação de cartilhas informativas, em vez de investigações.

Além disso, é importante mencionar que também existem precedentes de divergência da jurisprudência brasileira em relação a casos na UE, como na investigação sobre se o Google favoreceu seu serviço Google Shopping em seu mecanismo de busca, violando a neutralidade do algoritmo e prejudicando concorrentes. Para o relator do caso, não foi possível verificar manipulação de algoritmos da busca orgânica do Google no mercado brasileiro. 

O Brasil ainda não possui uma legislação específica para regular o comércio digital. Em tramitação desde o ano passado, o PL2768/22, de autoria do deputado João Maia (PL-RN), busca preencher essa lacuna e regulamentar a estrutura e operação de plataformas digitais no país, atribuindo à Anatel a autoridade para essa supervisão.

Reportagem Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico

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