Bolsonaristas usam WhatsApp e Telegram para recrutar ‘fiscais’ e intimidar mesários

Candidatos do PL atuam nas ruas e nas redes para cadastrar eleitores dispostos a compor ‘exército’
Bolsonaristas usam WhatsApp e Telegram para recrutar ‘fiscais’ e intimidar mesários
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Esta reportagem foi feita numa colaboração entre Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo para a cobertura das eleições de 2022. A republicação só é permitida com a atribuição de crédito para todas as organizações.


Candidatos bolsonaristas em todo o Brasil intensificaram, no sábado (1º.out), véspera do primeiro turno da eleição, uma ofensiva nas redes (e nas ruas) à procura de eleitores de Jair Bolsonaro (PL) dispostos a atuar como “fiscais” da eleição e intimidar mesários.

A estratégia faz uso de informações falsas já desmentidas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e repetidas com frequência pelo presidente da República e candidato à reeleição.

Ao menos oito candidatos ao Legislativo estão usando correntes no WhatsApp e no Telegram com o objetivo de cadastrar voluntários bolsonaristas, segundo apuração feita em conjunto por Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo.

  • A candidata a deputada federal Cleonice de Oliveira (PL-SP), cujo nome na urna é Doutora Cléo, admitiu em entrevista ao UOL que a intenção é intimidar mesários;
  • Candidato a deputado estadual, Pedrinho Minas Acontece (União Brasil-MG) repetiu uma mentira dita pelo presidente da República — a de que o TSE possui uma “sala secreta” — e convocou apoiadores em vídeo publicado na quinta-feira (29): “O Bolsonaro precisa de vocês agora como fiscais no dia da votação”;
  • O deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), que busca a reeleição e no início do governo foi líder do PSL, então partido de Bolsonaro, usou as redes para a convocação e fez referência ao presidente: “Estamos recrutando um exército de fiscais e delegados do PL, essa é a chamada que o capitão e o major estão fazendo pra vocês”;
  • “Venha ser Fiscal Voluntário do Bolsonaro e vamos levar essa no 1° turno!”, exortou Ellen Miziara (PL-MG), que tenta chegar à Câmara, em post na sexta (30);
  • Claudio Fernando (PL-SP), candidato a deputado estadual, pagou R$ 100 para impulsionar no Facebook uma propaganda em que também buscava recrutar “fiscais”.

O Facebook e o WhatsApp são plataformas que pertencem à Meta, empresa que também é dona do Instagram. Durante a campanha, candidatos pagaram por anúncios no Facebook e no Instagram com informações falsas e ataques à Justiça Eleitoral.

Como o Aos Fatos mostrou, 27 grupos bolsonaristas no Telegram — um para cada unidade federativa — foram criados com o intuito de realizar uma “contagem pública” e já reuniam 88 mil pessoas até esta sexta-feira (30).

Mensagens compartilhadas nesses grupos promovem sites que incentivam eleitores a se cadastrarem para atuarem como fiscais, sem nenhuma indicação ou informação concreta de como o processo ocorreria na prática.

Um exemplo é o Fiscais do Mito, site mantido pela empresa MQS Assessoria e Gestão, que não consta como fornecedora de nenhum candidato nas parciais de prestação de contas informadas à Justiça Eleitoral.

Uma mensagem que divulga o site apareceu cinco vezes em levantamento do Aos Fatos no Telegram. O texto diz que os “fiscais” seriam importantes para “evitar mesários [de] votar no lugar dos faltosos no final do expediente e pedir uma cópia do boletim de urna para entregar ao PL”.

Neste ano, pela primeira vez, o TSE divulgará na internet todos os boletins de urna no próprio domingo (2) da eleição.

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DO REAL AO VIRTUAL

Nas ruas, o recrutamento de Cleonice de Oliveira, a Doutora Cléo (PL-SP), começou bem antes da última semana de campanha. Ao lado de um carro de som na avenida Paulista, nos atos pró-Bolsonaro de 7 de Setembro, a candidata distribuiu panfletos e até credenciais para voluntários.

Eleitores interessados poderiam entrar em um grupo de WhatsApp no qual haveria mais informações sobre a suposta “fiscalização” — e vídeos com informações falsas sobre a urna eletrônica, segundo apurou a Agência Pública.

Um dos vídeos compartilhados, já desmentido pelo TSE e em checagem do Aos Fatos, afirma que apertar o botão “confirma” durante a mensagem de “confira o seu voto” — que neste ano, pela primeira vez, irá aparecer na tela após o eleitor digitar o número do candidato — ocasionaria a anulação do voto.

Foi no WhatsApp que uma assistente da candidata recolheu informações de endereço dos fiscais voluntários. A Agência Pública obteve três desses crachás, recebidos pelo Correio na quarta-feira (28).

Bruno Fonseca/Agência Pública

Os crachás, contudo, vieram sem assinatura do coordenador, o que é uma requisição da TSE. Segundo o advogado Marcelo Weick, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), os crachás de fiscais de partidos precisam estar assinados por pessoas cadastradas junto à Justiça Eleitoral.

“O partido político precisa informar à Justiça Eleitoral quem está autorizado a assinar a portaria de fiscal, a credencial”, explica.

Após questionamentos no grupo sobre a falta de assinaturas nos crachás, um número identificado como assistente da candidata instruiu os voluntários a rubricarem por conta própria os crachás, como se tivessem sido assinados pela Doutora Cléo (PL-SP).

Um áudio atribuído à candidata e enviado por um número identificado no grupo como da coordenação da campanha afirma: “Fiquem em paz, vamos rubrificar [sic] esses crachás. Estou autorizando vocês a fazerem uma rubrica e colocarem meu nome aí, Doutora Cléo de Oliveira”.

Falsificar assinaturas em documentos públicos ou privados, com ou sem autorização do titular, é um crime previsto no artigo 299 do Código Penal, conhecido como falsidade ideológica.

“Falo para vocês que a nossa agora é para cima deles, vamos fiscalizar, vamos nos colégios, vamos nos preparar, amanhã um advogado vai estar falando aqui com vocês, vai estar passando aqui as instruções e se acalmem! Nós vamos lá para defender os nossos candidatos, vamos estar lá para lutar por um Brasil melhor”, conclui o áudio (ouça aqui).

A reportagem questionou a campanha da candidata sobre a instrução para os voluntários assinarem em seu lugar, mas não obteve retorno até a publicação.

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MEDO ENTRE MESÁRIOS

A incitação de eleitores contra mesários tem gerado preocupação para quem irá atuar na função e também à Justiça Eleitoral.

“Aqui em Guarulhos foi convocada uma reunião presencial com todos os presidentes de mesa”, contou à reportagem Ana Carolina González, que irá trabalhar como mesária pela 12ª vez. “A maior parte da reunião foi sobre a importância de nós mesários evitarmos confrontos no dia da votação.”

“É a primeira vez que vejo essa preocupação no curso”, ela diz.

A reportagem da Agência Pública teve acesso a um fluxo elaborado pelo TRE-SP que instrui mesários a lidar com situações onde há maior potencial de conflito: se o eleitor se recusar a deixar o celular com a equipe, se insistir em tentar gravar a urna, se alegar que o candidato não aparece na urna.

“Em geral, entre os mesários, dá pra perceber que as pessoas estão com receio”, completa González.

Para a advogada Carolina Cléve, a presença de muitas pessoas querendo fiscalizar a eleição pode causar tumultos neste domingo. Apenas a presença de dois fiscais devidamente cadastrados é prevista pela Lei Eleitoral, e os locais de votação já são preparados para recebê-los.

“Existe um trabalho para manter ali a ordem para que não haja tumulto, então isso de ir de repente fiscais, cidadãos de todo lado querendo fiscalizar o trabalho, pode causar uma desordem na seção eleitoral.”

Reportagem Bruno Fonseca, Laura Scofield, Bianca Bortolon, Ethel Rudnitzki, Milena Mangabeira, João Barbosa, Julianna Granjeia
Edição Alexandre Aragão e Alexandre Orrico

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