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Desde o início do governo Jair Bolsonaro, o Google recebeu mais de R$12,5 milhões em publicidade da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), dos quais 90% não aparecem de forma detalhada no Portal da Transparência, o que dificulta a fiscalização pública.

O valor foi encontrado em levantamento feito pelo Núcleo com base em 33 notas fiscais emitidas pela empresa entre jul.2019 e jul.2021. No Portal da Transparência, o valor de pagamentos e empenhos em favor do Google feitos pela Secom totaliza apenas R$ 1,4 milhão.

A diferença (R$11,1 milhões) entre a cifra efetiva e os valores oficiais mostrados no Portal da Transparência ocorre porque agências publicitárias atuaram como intermediárias da Secom na maioria dos negócios.

Assim, o dinheiro público passa por elas antes de chegar ao Google, o que oculta o detalhamento e a transparência desses gastos.

A prática não é ilegal e é comum no mercado, mas dificulta que o valor real seja consultado com transparência por cidadãos e órgãos de controle, uma vez que as notas fiscais estão disponíveis apenas no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério das Comunicações, cujo acesso é mais difícil e os dados não são agregados.


É IMPORTANTE PORQUE...
  • Impulsionamento e publicidade em redes sociais é chave para o governo, especialmente em ano eleitoral
  • Ocultar gastos do Portal da Transparência via gastos com terceiros é uma prática que, embora não seja ilegal, vai contra as melhores práticas de transparência pública
  • Embora prática não seja exclusiva do governo atual, ela ainda assim continua valendo

Em nota por email, a Secom diz que "não mantém contratos com terceiros, somente com agências de publicidade, sendo elas as destinatárias dos créditos, pagos por meio de Ordens Bancárias (OB), e encarregadas de efetuarem os pagamentos aos veículos e fornecedores."

Na semana passada, o Núcleo revelou como essa mesma prática ocultou R$2,7 milhões de gastos com impulsionamento no Twitter.

Secom ocultou R$2,7 mi em gastos com impulsionamento no Twitter em 2021
Órgão utilizou agências terceirizadas como intermediárias para promover conteúdo, evitando que os gastos entrassem no Portal da Transparência

A Secom informou que disponibiliza informações sobre os pagamentos neste link, mas, ao acessá-lo, o usuário precisa colocar login e senha e ser aprovado pela Secom para acessar o portal – ou seja, não é igual ao Portal da Transparência, onde qualquer pessoa pode consultar os dados com facilidade.

Site que possui gastos da Secom é fechado para o público em geral

Em nota, o Google informou que "no caso do governo federal, a mídia digital somente pode ser contratada por agências de publicidade selecionadas por meio de licitação, conforme a lei nº 12.232/2010. Essa lei regulamenta a contratação de serviços de publicidade pelo governo, o que inclui a publicidade digital e a compra em outras mídias e veículos de comunicação".

Resposta na íntegra: Secom e Google sobre gastos com publicidade
Veja a resposta da do Google e da Secom à nossa reportagem

Em dez.2021, o Núcleo mostrou os gastos diretos do governo federal que constam no Portal da Transparência de Twitter, Facebook e Google.

Bolsonaro impulsionou gastos do governo federal com Google durante pandemia
Proporcionalmente, Bolsonaro investiu mais em Google, enquanto Temer e Dilma preferiram Facebook

Campanhas de governo

A estratégia de usar as plataformas do Google para publicidade não é novidade para a Secom. Em um documento estratégico de julho de 2020, a secretaria explica como utiliza a plataforma.  

Reprodução de slide de apresentação de Estratégia de Comunicação da Secom, de julho de 2020, conforme consta no site Poder360

Os gastos dizem respeito aos mais variados tipos de anúncios, em três plataformas mantidas pela companhia — publicidade programática, links patrocinados na busca no Google, vídeos no YouTube e até banners no aplicativo de navegação Waze.

Do total, quase metade (R$ 6 milhões) se refere à campanha pela Reforma da Previdência, que foi aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2019, primeiro ano da atual gestão. Em maio de 2020, reportagem da Folha de S.Paulo revelou que banners do governo federal foram inseridos em sites de jogos de azar e que produzem desinformação.

Após a revelação do jornal, o presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, enviou uma carta ao então titular da Secom, Fábio Wajngarten, com explicações sobre o assunto.


No documento, Coelho afirma que  “a Secom é uma importante parceira do Google, com uma conduta pioneira no desenvolvimento de seus planos de marketing digital e buscando eficiência e resultado na comunicação com os cidadãos brasileiros”. Leia a íntegra.

Onze das 33 notas fiscais emitidas pelo Google à Secom são referentes à campanha pela Reforma da Previdência. Uma única, que diz respeito ao mês de julho de 2019, cobra R$2,5 milhões por links patrocinados na busca, em banners e em vídeos no YouTube. A campanha registrou mais de 211 milhões de impressões.

Nota Fiscal emitida pelo Google para a Secom relativa à campanha sobre a reforma da Previdência, no valor de R$2,5 milhões.

As informações estão em um relatório de execução enviado pela companhia à agência Artplan, responsável pela intermediação neste caso.

Tipo de anúncio Impressões Cliques Valor
Busca 8,867,030 1,139,239 R$942,275.35
Banner 74,287,564 902,961 R$208,049.07
YouTube (vídeo sem skip) 65,823,053 292,261 R$837,391.71
YouTube (com skip) 62,108,789 344,419 R$536,330.89
Totais 211,086,436 2,678,880 R$2,524,047.02

Segmentação para o exterior

Outra campanha que representa parte significativa dos gastos foi a de promoção do Brasil no exterior.

Em setembro de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro discursou pela primeira vez na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), as críticas da comunidade internacional se intensificaram, principalmente em relação à conservação do meio ambiente.

A fim de mitigar o dano à imagem do país, a Secom gastou R$2 milhões em publicidade programática no Google e no YouTube, tendo como segmentação alguns dos principais países europeus — Alemanha, França, Holanda, Inglaterra e Noruega, responsável pelo Fundo Amazônia — e os Estados Unidos.

As peças publicitárias, conforme relatórios do Google enviados à agência Calia Comunicação, eram relacionadas a meio ambiente, infraestrutura, tecnologia e agronegócio. Ao todo, a campanha gerou mais de 70 milhões de impressões.

Dos R$12,5 milhões gastos pela Secom, somente R$400 mil, referentes a uma única campanha, tiveram como foco o combate à Covid-19, segundo as notas fiscais. A campanha foi intermediada pela agência Artplan e aconteceu em junho de 2020, gerando 54 milhões de impressões no YouTube e 768 mil cliques no conteúdo patrocinado pela Secom.

Assim como aparecem nos pedidos de inserção (PI) — documento que no mercado publicitário é enviado pelas agências às empresas que veiculam a publicidade contratada — referentes ao Twitter, a Artplan afirma no documento enviado ao Google que “após o pagamento pela Secom, a agência terá até 10 dias corridos para efetuar o repasse ao veículo/fornecedor”.

Veja a lista completa de campanhas, com o número de notas fiscais referentes a cada e o valor total.

Como fizemos isso

A partir do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério das Comunicações (que ainda está sob o domínio do Ministério da Ciência e Tecnologia), buscamos todos os processos envolvendo pagamentos de publicidade que citassem a razão social "Google Brasil Internet Ltda".

Desta forma, tivemos acesso aos documentos (notas fiscais, memorandos, ofícios, despachos e registros de pagamentos). O passo seguinte foi estruturar essas informações e cruzá-las com dados do Portal da Transparência, que no campo de observação informa qual é a nota fiscal e o memorando referente a cada pagamento.

Assim, conseguimos identificar a discrepância entre os valores informados nas notas fiscais emitidas pelo Google e no site do governo federal.

As notas fiscais da apuração podem ser consultadas neste link.

Reportagem Alexandre Aragão
Arte Rodolfo Almeida
Edição Sérgio Spagnuolo
GoogleYouTube
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