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Canais considerados indesejados por desinformação ou discurso de ódio no YouTube podem receber dinheiro da plataforma, por um breve período, mesmo que tenham sido bloqueados por anunciantes, mostra uma apuração do Núcleo.

Quando o anunciante cria uma campanha, o criador de conteúdo recebe um valor em dólar a cada mil visualizações em um determinado vídeo (métrica conhecida como CPM) .

Mas há falhas nesse sistema, pois ele permite a monetização temporária mesmo quando empresas alertam de antemão que não querem seus anúncios em certos canais.


É importante porque...
  • Subterfúgios permitem burlar, mesmo que temporariamente, o sistema de bloqueio dos anúncios, fazendo com que páginas e canais com conteúdo falso ou ofensivo abriguem publicidade de quem não quer anunciar lá.
  • As empresas têm agido para bloquear a monetização de fake news e conteúdos preconceituosos, mas as redes sociais ainda estão engatinhando nesse sentido.

Foi o que aconteceu com a Netflix em outubro deste ano.

Anúncios da plataforma de streaming continuaram remunerando o canal do apresentador Sikêra Júnior – mesmo depois de ter excluído o apresentador, que já atacou gays e tem uma postura negacionista sobre a pandemia, da sua lista de páginas nas quais tem interesse em anunciar.

Esse é um problema conhecido na suite de anúncios do Google, dona do YouTube.

Em um caso emblemático, publicidade da Natura foi exposta em um conteúdo que criticava a própria empresa, via Google Ads. No caso, o site Jornal da Cidade Online, conhecido propagador de desinformação, ganhou dinheiro com anúncio da empresa de cosméticos em um texto que atacava a campanha dos Dias dos Pais feita com Thammy Miranda.

A Avon também já atribuiu propagandas reincidentes no mesmo site ao fato de terem sido veiculadas por "afiliados", fugindo assim do controle da marca.


Isso é possível por meio do uso de “redirecionadores”, serviços (não raro no exterior) que servem de intermediários (proxies) para sites que não recebem anúncios via Google. Uma analogia para isso é alguém pedir uma encomenda e usar o endereço de um vizinho porque a empresa não quer entregar o produto na casa da pessoa.

Há ainda o problema da moderação lenta dos vídeos na plataforma, que é feita tanto por um algoritmo quanto manualmente por uma equipe encarregada de encontrar esses canais.

Enquanto o processo não se completa, a monetização continua acontecendo – bastam alguns segundos para uma publicidade aparecer em um vídeo e o influencer receber por seu conteúdo, mesmo que ele viole as políticas do YouTube ou opções de anunciantes.

O YouTube disse ao Núcleo via assessoria de imprensa que anúncios podem levar até 24 horas para sumirem, uma vez bloqueados. E também que, para que o bloqueio seja devidamente efetivado, é preciso que as palavras-chave sejam devidamente listadas.

APONTANDO O DEDO

A prática de desmonetizar canais ao não exibir peças publicitárias em espaços específicos ganhou força publicamente com o movimento Sleeping Giants nos EUA, nas eleições presidenciais de 2016.

O movimento atua basicamente a partir de campanhas ativistas nas redes sociais, em que denuncia as empresas que anunciam em sites de fake news, cobrando mudanças nas políticas publicitárias das companhias.

No Brasil, o projeto chegou em 2020, já alertou mais de mil empresas e teve mais de 900 retornos positivos de marcas que se comprometeram a retirar suas publicidades dos portais e canais desinformativos, segundo informações da própria Sleeping Giants Brasil. Entre elas, nomes como Bradesco, Adidas, Ford, Fiat, Uber e Amazon.


O impacto é grande o suficiente para gerar a processos  – que Sikêra Júnior perdeu – e críticas de que o projeto atua contra a liberdade de expressão especialmente de veículos de direita.

“Sabemos de diversas empresas que tiveram problemas com bloqueio de anúncio online, que vetaram a publicidade, mas foram reencontradas pelos nossos seguidores”, diz Leonardo Leal, metade da dupla fundadora do Sleeping Giants Brasil.

“Confiamos na idoneidade das companhias quando falam que retiraram a propaganda. Acreditamos que o problema não está ali.” - Leonardo Leal, do Sleeping Giants Brasil

Mas, algumas dezenas de vezes, Leal e sua parceira, a advogada Mayara Stelle, tiveram que voltar a cobrar empresas que manifestaram bloquear o financiamento, como aconteceu no caso da Netflix com Sikêra e da Natura com o Jornal da Cidade Online.

No caso da Netflix, a conta brasileira da empresa escreveu que o erro se devia a um problema com compras automáticas. O Núcleo pediu mais detalhes à plataforma de streaming, mas sem sucesso. Ela disse que se manifesta sobre o tema apenas pelo Twitter.

Na ocasião, Carrefour e Rappi usaram a mesma justificativa para explicar os anúncios recorrentes. O SGBR também cobrou o Banco Inter, Submarino, Netshoes, Kabum, Vivo e Lojas Americanas.

MONETIZAÇÃO SEGUE FIRME

Se a moderação pode ser lenta, a monetização acontece rapidamente. Segundo o YouTube, assim que os anúncios são ativados, eles são publicados em todos os vídeos elegíveis e passam a servir de fonte de receita.

"Os anúncios apresentados nos vídeos são automaticamente selecionados tendo por base vários fatores, inclusive aspectos como o público, os metadados do vídeo e a adequação do vídeo à publicidade", explicou ao Núcleo a assessoria de imprensa da plataforma.

A rede social oferece aos anunciantes ferramentas de segmentação, que permitem às empresas selecionar canais aos quais gostariam de ser veiculados, de acordo com o público-alvo.

Mais importante para o debate em questão, permite também que elas selecionem quais não gostariam. Não precisa se tratar de um site de fake news ou discurso de ódio. Com a medida, por exemplo, uma marca de produtos veganos evita que sua publicidade seja associada a um influencer churrasqueiro, ou vice-versa.

"Acontece que muitas empresas não sabiam que isso era possível antes do Sleeping Giants, por terceirizarem seus serviços de marketing ou darem pouca atenção a ele", diz Leal, sobre os motivos de a questão ganhar luz apenas mais recentemente. "No final, elas nos agradecem, pois sabem que patrocinar conteúdo nocivo não traz resultado positivo."

O próprio Youtube chega a desmonetizar canais. Primeiro, criando o chamado Programa de Parcerias, que exige critérios mais rigorosos de exibição para criadores que pretendem lucrar. Aqueles que não cumprem podem ser vetados de antemão ou posteriormente excluídos do programa.

Em suas diretrizes de conteúdo para publicidade, a plataforma lista linguagem imprópria, violência, conteúdo adulto, discurso de ódio ou depreciativo, e até o amplo termo “questões polêmicas” entre os tópicos considerados ao limitar ou vetar a veiculação de anúncio em um vídeo.

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O QUE DIZ A PLATAFORMA

O YouTube afirma que a taxa de visualização de conteúdos que violam suas políticas caiu 70% em comparação a 2017. E, em outubro, anunciou que a partir desse mês deixaria de veicular propagandas em canais dedicados a crianças que trazem material de má qualidade, como incentivos ao consumismo ou ao bullying, e canais que contradigam o consenso científico sobre as causas das mudanças climáticas.

"Enquanto plataforma de tecnologia, estamos sujeitos a eventuais erros, e trabalhamos para que sejam corrigidos no mínimo espaço de tempo possível, ainda que esses problemas ocorram com uma frequência pequena nos serviços que oferecemos", respondeu ao Núcleo a assessoria de imprensa da plataforma.

Para Leal, do Sleeping Giants Brasil, as empresas têm tomado um papel cada vez mais pró-ativo nesse movimento, mas as redes sociais não caminham na mesma velocidade. "Os algoritmos vão deixar passar fake news e discurso de ódio enquanto eles forem lucrativos", conclui.

Como fizemos isso

O Núcleo entrou em contato com o Sleeping GIants Brasil para pedir exemplos de publicidades que voltaram a aparecer em canais bloqueados por empresas.

Depois disso, procurou as assessorias da Netflix, Ifood, Natura, Rappi e Vivo em busca de explicações, mas não teve retorno.

Também enviamos perguntas ao Youtube para entender o processo de monetização de vídeos em sua rede.

Reportagem Beatriz Montesanti
Arte Rodolfo Almeida
Edição Sérgio Spagnuolo e Samira Menezes
YouTube
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