Governo sobe tom contra redes, mas não acerta onde dói

Reunião entre MJSP e representantes de seis plataformas foi importante para mostrar boa vontade dos dois lados. Mas sem regulação não há como atingir o bolso das empresas
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Raio-x é uma editoria de análise crítica do Núcleo e contém opiniões

Em meio a uma onda de pânico pela possibilidade de um novo ataque a alguma escola, amplificada por publicações em redes sociais, o Ministério da Justiça e Segurança Pública se reuniu na segunda-feira (10.abr.2023) com representantes de seis plataformas digitais, com o objetivo de discutir ações contra ameaças de ataques.

Essa reunião foi importante tanto para mostrar que o governo está preocupado e agindo sobre a questão quanto para mostrar boa vontade das empresas. As plataformas apresentaram o que estão fazendo, ao passo que o governo mostrou os empecilhos e dificuldades em lidar com elas, cobrando mais celeridade na moderação de conteúdo nesses casos.

Na prática, o encontro não gerou grandes políticas concretas e acionáveis: houve exposições dos problemas e dificuldades de ambos os lados e reafirmações de compromissos. No fim, o governo subiu o tom sobre a responsabilidade das redes.

Sem regulação para acertar onde realmente dói (nas contas bancárias), o ministro da Justiça, Flávio Dino, ameaçou "tomar as providências policiais e judiciais contra as plataformas" – uma retórica antiga de autoridades brasileiras.

Plataformas de redes sociais que faturam bilhões de dólares por ano são muito bem assessoradas juridicamente para lidar com situações assim, o que faz com que a declaração do ministro seja mais impactante nas palavras do que na prática.

"Já temos medidas tomadas com resultados, mas precisamos, para que haja integridade ou integração, que as empresas nos ajudem. Ajudarão, de um jeito ou de outro. Ajudarão na autorregulação ou ajudarão porque serão obrigadas a ajudar", declarou o ministro.

No release do ministério foi abordada a "exigência" de canais abertos entre as redes e autoridades – algo que já existe atualmente. Essa exigência estaria, indiretamente, associada ao Twitter, rede onde conteúdos de apologia a crimes em escolas têm corrido soltos.

Mas a ideia do governo – essa sim uma novidade – é que todas as plataformas se organizem da mesma forma, contou ao Núcleo uma pessoa que participou da reunião.

“Estamos exigindo que estas empresas de tecnologia tenham canais abertos, velozes, urgentes de atendimento das solicitações ou notificações oriundas das autoridades policiais", disse o ministro da Justiça. "Nós, nesta reunião, exigimos que haja a instauração desses procedimentos por parte deles, no que se refere ao próprio monitoramento autorregular."

Participaram da reunião representantes do Twitter, Google, Meta, WhatsApp, TikTok e Kwai. Telegram não participou, ao passo que o Discord fez uma reunião na sexta-feira passada.

A curiosidade principal da reunião foi a resistência de uma representante do Twitter em reconhecer como infrações à política de comunidade da plataforma a manutenção de perfis que espalham apologia e incentivos à violência, conforme relatado pelo G1 e confirmado pelo Núcleo.

Inclusive, uma das principais preocupações da reunião era de fato o Twitter, considerando que as outras plataformas possuem moderação de conteúdo e representantes locais.

O Twitter, desde que Elon Musk assumiu o comando da empresa, se comunica com o governo brasileiro via representantes no México.

Twitter fala com governo brasileiro via escritório do México
Distância, diferença de horário e diferença de idioma podem prejudicar a comunicação e gerar atrasos

CONTEXTO DA REUNIÃO

A reunião se deu no âmbito do grupo interministerial para políticas de prevenção e enfrentamento de violência nas escolas, composto por membros dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, Direitos Humanos, Educação, Saúde, Esportes, Cultura, Secretária-Geral da Presidência e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

Na quinta-feira (6.abr.2023), reportagem publicada pelo Núcleo revelou que o Twitter abriga uma comunidade responsável por centenas de publicações que explicitamente exaltam massacres escolares e glorificam seus executores.

Sem moderação, Twitter tolera apoio a massacres escolares
Comunidade que exalta assassinos e massacres também usa rede social para tentar formar “duplas” para novos atos de violência

Nosso monitoramento também identificou usuários migrando para outras plataformas com menos anonimização. O motivo, segundo posts vistos pelo Núcleo, é que plataformas como o Discord são mais difíceis de manter anonimato, uma vez que usuários frequentemente interagem em canais de vídeo e/ou voz.

Após Musk ter assumido o controle da empresa e demitido cerca de 75% de seus funcionários, eliminando grande parte de sua equipe de moderação, esse tipo de conteúdo extremista de apologia a crimes contra crianças e funcionários de escolas tem circulado livremente na rede social.

Ao Núcleo, Estela Aranha, Secretária de Direitos Digitais do MJSP, disse que a pasta fez uma reunião com o Discord já na última sexta-feira (7.abr.2023), ocasião em que orientou à empresa que preservasse os dados de contas excluídas.

PLATAFORMAS. Na sexta-feira, 7.abr.2023, o Ministério da Justiça e Segurança Pública criou um canal exclusivo para recebimento de informações de casos suspeitos de ataques a instituições de ensino em parceria com a SaferNet Brasil, organização sem fins lucrativos de direitos digitais. As denúncias são feitas de forma anônima.

Desde então, o MJSP já pediu ao Twitter a exclusão de mais de 511 perfis  que publicavam conteúdo de apologia aos ataques contra escolas. Publicações, perfis e hashtags usadas na apuração do Núcleo foram denunciadas às autoridades por meio do canal.

O canal recebe denúncias anônimas de ameaças de ataques em escolas feitos pela internet. Os dados serão analisados pela equipe do Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab), da Diretoria de Operações Integradas e Inteligência (Diopi). O grupo conta com cinquenta policiais trabalhando em regime de plantão 24 horas.

Ao Núcleo, Aranha também disse que policiais que integram esse grupo estão trabalhando em turnos para conduzir o monitoramento de conteúdo, uma vez que essa função podem ter impactos negativos à saúde mental.

Impacto do consumo repetitivo de conteúdo violento 

Moderadores de conteúdo para plataformas digitais frequentemente citam o impacto negativo da exposição contínua a esses materiais.
Em mar.2023, moderadores de conteúdo terceirizados da Meta no Quênia processaram a empresa pela terceira vez, alegando que atividade de moderação tem um impacto avassalador à saúde mental de funcionários. A ação coletiva também afirma que os funcionários terceirizados são expostos a conteúdos de todo tipo e como a Meta é falha em fornecer suporte adequado a essas pessoas.

Reportagem Sérgio Spagnuolo e Sofia Schurig
Edição Laís Martins

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