Como a recompensa da idiotice afeta o jornalismo

Talvez caso Monark possa fazer as empresas enxergarem valor em conteúdo de qualidade
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Linha Fina é uma coluna de opinião sobre mídia e jornalismo

Costumo considerar uma coisa boa que pessoas com a capacidade intelectual do Monark tenham a possibilidade de criar seus conteúdos e achar seus nichos e comunidades. Mostra o aspecto democrático da internet, onde qualquer um pode ter uma voz, um espaço, até mesmo um sujeito que não possui o mínimo senso de cognição social.

Mas há um abismo intransponível entre a democratização das redes e como a exploração dessa democratização é potencializada – frequentemente para pior.  

Esse texto não é para falar sobre os comentários de apoio ao nazismo regurgitados por Monark, e sim para explorar o que torna viável que alguém como ele – alguém claramente incapacitado a informar, entrevistar e argumentar, igual a muitos outros por aí que estão bombando – consiga alcançar tanto destaque, conquistar tanta influência e movimentar tanto dinheiro.

Para entender a ascensão de figuras polêmicas e ignorantes no mundo da informação e influência, é preciso entender um conceito básico que move a internet: escala.

Escala nada mais é do que a capacidade de algo de alcançar um número muito grande de pessoas. É uma coisa incrivelmente difícil, ainda mais de maneira consistente e regular. Hitar com um post é uma coisa, outra é ter um canal no qual as pessoas continuarão voltando sempre.

Outro conceito importante é a economia da atenção. Na internet, a commodity de mais valor é a atenção das pessoas. Do Termoo (adoro) a sites pornográficos, tudo o que se espera quando alguém acessa um site ou aplicativo é que as pessoas vão dedicar algum tempo ali.

Nas redes sociais, isso é ainda mais amplificado. Um adágio comum no mundo de tecnologia diz que as maiores mentes do design e da engenharia de software estão trabalhando nesse exato momento para fazer você passar 10 minutos a mais no Facebook ou no Instagram.


A principal conversão da moeda da atenção atende, principalmente, à publicidade: anúncios de organizações que querem vender produtos e serviços ou transmitir uma mensagem – uma troca clara e direta que beneficia quem paga e quem recebe. É a alma do modelo de negócios de algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, como já foi uma vez de veículos jornalísticos.

Google, Facebook e Amazon, sozinhos, representam 64% das receitas com anúncios online nos EUA, ganhando centavos em cada um dos bilhões de displays de anúncios nos sites por aí.

Mas existe um desalinhamento enorme entre escala e qualidade de conteúdo. É certamente possível ter concomitantemente escala e qualidade. Mas é ridiculamente comum a aliança de escala com porcaria – ainda mais se a porcaria tiver bastante entrada com o público jovem, de 14-25 anos, que é uma das jóias da coroa pros anunciantes.

Infelizmente, para muitos anunciantes, escala é a métrica que realmente interessa. O resto é resto.

Monark só chegou onde chegou porque empresas estavam dispostas a patrocinar seu podcast. Pode parecer fácil culpar a audiência, afinal, sem ela não haveria escala nem anunciantes. Mas é sutil. A audiência tem sua responsabilidade, mas não dá pra culpar só o consumidor pela qualidade do produto.

Essa sutileza está impressa na essência da coisa: produtos de má qualidade existem porque as pessoas os consomem / as pessoas consomem produtos de má qualidade porque eles existem.

Quando se fala de conteúdo, um peso desequilibra a balança dessa tautologia: quem paga por aquilo?

Eu entendo o apelo do Flow. Eu mesmo ouvi algumas vezes, achava divertido, provocador, frequentemente irritante e polêmico. Gente importante, séria e renomada dava as caras pra aparecer no programa e ganhar destaque para suas ideias.

Me lembro de ficar com uma mistura de fascínio e ressentimento pelo sucesso de algo com qualidade tão ruim de entrevistadores. Afinal, sou editor de um site que produz conteúdo de alta qualidade, gráficos e artes impecáveis, investigações que duram semanas ou meses, reportagens editadas por duas, frequentemente três, pessoas.

E mesmo assim meu pico de audiência é uma fração do que esses caras recebem pra falar bobagem. Sem contar o dinheiro. Isso não é só comigo não, vale pras dezenas de iniciativas jornalísticas fazendo um trabalho incrível que não conseguem nada perto da atenção e dos recursos dessa galera.

Mas, em geral, era divertido. Eu jamais pagaria por aquilo, assim como a maioria das pessoas, mas era de graça pra ver, pago pelos outros, então beleza eu sintonizar no canal e deixar o papo fluir.

Depois dessa crítica, sinto a necessidade de ser justo. O Flow e podcasts similares bombaram (ou seja, ganharam escala) porque conseguem se conectar com o público mais jovem, utilizando estilo informal, despojado e libertário, num formato que realmente apela com a moçada (podcast e, principalmente, live no YouTube), enquanto o jornalismo, em boa parte, tem fracassado em alcançar essa demografia de maneira eficiente.

Seja como for, defender nazismo não foi a primeira das vergorragias polêmicas e insultantes de Monark, e mesmo assim, seus anunciantes, basicamente, só romperam com ele por conta da enorme repercussão do caso. Olha a lista de quem já colocou dinheiro nesse programa:

Print de tela de mdia kit do podcast Flow, que aparentemente não está mais no ar

Enquanto anunciantes estão atrás da atenção das centenas de milhares, frequentemente milhões, de pessoas que consomem conteúdo do Flow e podcasts semelhantes, o jornalismo sério sofre para se financiar.

Uma coisa eu digo a favor do Monark: ele nunca teve a pretensão de ser jornalista, nem de longe, e nesse ponto discordo um pouco do bom texto de Ricardo Mendonça no Valor Econômico, que tenta atribuir uma comparação ligeira nesse sentido.

Em vez de se comparar ao jornalismo, no entanto, o espaço do Flow e outros podcasts (e sites, e canais de YouTube) do tipo competem por espaço – e ganham – com o jornalismo sério (ainda mais os independentes), e frequentemente os produtores de conteúdo não percebem a responsabilidade que isso traz a seus programas.

Conversas de botequim envolvem 10, 15 pessoas. Um podcast ouvido por milhões não é um papo de bar, é transmissão em massa.

O caso de Joe Rogan,  o ex-lutador e comediante que possui o maior podcast do mundo, com pelo menos 11 milhões de ouvintes toda semana, vai nessa linha – até quando é uma conversa e quando a coisa fica séria?

Eu entendo que empresas e marcas precisam fazer campanhas que cheguem a milhões de pessoas, mesmo que isso signifique anunciar em canais de baixa qualidade.

Mas talvez, quem sabe talvez, algumas empresas comecem a enxergar valor em jornalismo de verdade, de nicho, que chega a menos pessoas mas ainda assim faz a diferença, e percebam que se aliar a conteúdo de qualidade tem benefícios que vão além da pura e simples escala.

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