CGI vê regulação de redes e zero-rating como prioridades, diz coordenadora

Renata Mielli reconhece que eventos de 8.jan.2023 trouxeram novos elementos à discussão do PL das Fake News
CGI vê regulação de redes e zero-rating como prioridades, diz coordenadora
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O Núcleo conversou com Renata Mielli, pesquisadora e ativista que foi nomeada para o cargo de coordenadora-geral do Comitê Gestor da Internet. Mielli falou das prioridades para o trabalho do CGI e das eventuais atribuições do órgão numa estrutura de regulação de redes.

Mielli defendeu o projeto de lei 2630 como um produto de debate extenso em que diferentes setores puderam apresentar suas contribuições, mas reconheceu que os eventos de 8.jan.2023 trouxeram novos elementos à discussão.

A pesquisadora alertou sobre o risco de estabelecer, dentro do âmbito do PL 2630, regras para a remuneração de conteúdo jornalístico por plataformas e defendeu que o PL deixe isso em aberto para que seja debatido e regulado separadamente.

O tema do zero-rating [planos que permitem o uso de certos serviços e aplicações sem que isso seja descontado da franquia de dados] também é encarado como prioritário por Mielli, que avalia que a prática fere o princípio da neutralidade da rede.

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SOBRE A ENTREVISTADA
Jornalista e doutoranda em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Foi coordenadora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e membra da Coalizão Direitos na Rede.

Alguns trechos da entrevista foram editados pelo Núcleo para brevidade e concisão.

NÚCLEO: O que você enxerga como as prioridades para o trabalho do CGI sob essa nova gestão?

RENATA MIELI: Inescapavelmente, uma das prioridades é a discussão em torno da regulação das plataformas digitais, que é o tema que tem concentrado as atenções do debate público na sociedade brasileira nos últimos anos. Porque esse debate não começou com o 8 de janeiro, ele já vem de antes. E o CGI participou de alguma forma dessa discussão, principalmente porque a partir de um dos relatórios apresentados pelo Deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que é o relator do texto na Câmara, houve uma inclusão do Comitê Gestor da Internet naquela versão, atribuindo ao CGI algumas funções no acompanhamento, na gestão de algumas determinações que estavam previstas na lei. Não são atribuições regulatórias stricto sensu até porque uma lei ordinária não pode criar órgão regulador, mas tinha atribuições relacionadas com as que já são atribuições previstas para o CGI.

Que são, por exemplo?

Por exemplo, participar do debate e do acompanhamento para elaboração de um código de conduta, contribuindo com diretrizes. Se o CGI já tem a função de oferecer diretrizes sobre a gestão da internet no Brasil, não seria uma atribuição estranha contribuir com diretrizes e sugestões, um acompanhamento da elaboração de um código de conduta para as plataformas.

Uma delas seria o recebimento dos relatórios de transparência [das plataformas]. A gente poderia ter a possibilidade de fazer uma leitura desses relatórios.

O CGI viveu momentos distintos sobre a gestão Bolsonaro. No último período, com a mudança de coordenação do CGI, a gente conseguiu dar mais atividade para o comitê-gestor, já que durante um momento houve uma certa paralisação. No ano passado, o CGI fez um seminário sobre regulação de plataformas, o qual, no dia seguinte, gerou uma oficina com a participação dos quatro setores, inclusive para pensar quais seriam eixos e diretrizes estruturantes sobre regulação de plataforma no Brasil e que deu origem a um documento que foi publicado já no ano passado.

CGI.br traça recomendações para regulação de plataformas
Órgão multissetorial apresenta ações e diretrizes, fruto de oficina entre entidades

Parte do trabalho do CGI envolve a articulação entre os diferentes setores que compõem o conselho para a definição de uma agenda comum. Como é a gestão dessas expectativas, principalmente se tratando de regulação de redes?

O CGI vai fazer uma consulta pública que tem cinco eixos e que vai procurar escutar a sociedade de uma maneira mais ampla sobre as questões que envolvem a regulação.

No debate de regulação de plataformas, o 8 de janeiro deu uma outra urgência para a discussão de regulação de plataformas.

O Brasil viveu a iminência de um golpe. Aí a gente pode entrar no mérito da discussão se o golpe seria possível de ser implementado mesmo, de se o grupo político que se reuniu lá em Brasília só tinha a intenção de criar um caos para gerar instabilidade. Há uma série de discussões que cabem à ciência política a aos analistas da conjuntura.

Mas o fato é que aquele movimento, como tantos outros movimentos que temos acompanhado no Brasil desde a eleição de 2018 (e também  questões envolvendo a pandemia), são assim organizados e potencializados no interior das plataformas digitais. É justamente por isso que desde 2020 o Congresso Nacional procura enfrentar o debate em torno do PL 2630.

Mas enfrentar isso exige enfrentar toda uma conjuntura política por trás, com inúmeros interesses envolvidos.

No PL 2630, a gente já tinha uma situação política de que os diferentes atores sociais possuíam diferentes visões sobre o que deveria ou não ser a regulação, e, no caso ali, caberia ao Congresso e ao relator contemplar essas diferenças e tentar dar algum tipo de sentido para aquele projeto.

Eu costumava dizer quando estava do lado de lá – enquanto sociedade civil, mas acho que essa visão permanece para quando você está no governo – que qualquer lei no Brasil, qualquer que seja, ela é produto de diferentes visões.

Qualquer lei no Brasil, qualquer que seja, ela é produto de diferentes visões. Ela nunca vai representar fielmente a opinião ou a visão de um determinado setor. Nesse sentido, é a beleza da democracia.

Você tem que construir algo que faça sentido jurídico, sentido político, sentido social, mas que de alguma forma contemple determinadas visões a partir do que, na minha visão, deve ser o interesse público final, não o interesse do setor que está tentando influenciar, mas como fazer um mix disso que garanta o interesse público.

E como isso se deu ao longo das discussões do PL 2630?

O PL 2630 passou por inúmeras consultas públicas, passou por um extenso debate, então eu considero que é um equívoco de alguns setores dizerem que não houve debate suficiente em torno do que estava sendo proposto ali. Determinado setor pode não ter tido sua visão de uma forma majoritária contemplada na versão final do relatório, mas todos foram ouvidos.

O 8 de janeiro muda essa dinâmica e traz outros elementos para o debate que estava sendo realizado no âmbito do 2630, particularmente uma visão de que é preciso responsabilizar as plataformas de rede social pelos conteúdos ilegais, danosos ou criminosos – o termo que for mais adequado.

Então o governo, que viveu ali a eminência de um golpe, viu urgência, né? Uma urgência de acrescentar a um debate que já vinha sendo realizado, elementos adicionais para responsabilizar essas plataformas. O governo tem dito que está buscando fazer o que ele está chamando de uma consertação entre os Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Uma escuta entre esses Três Poderes que produziu aí esse relatório que acabou vazado, essa proposta que acabou vazada e que agora é papel do deputado Orlando Silva avaliar o que vai incorporar ou não.

Eu considero que o governo ainda está avaliando qual o melhor espaço para fazer essa essa consulta à sociedade.

Existe um temor de que alguma lei, seja o PL 2630 ou outra, deixe algumas pontas soltas para que algumas regulações venham via decretos. Então, por exemplo, deixaria previsto em lei que veículos jornalísticos sejam remunerados pelas plataformas, mas deixa isso aberto para o Executivo regulamentar. Você vê algum risco nisso?

Eu tenho uma posicionamento de que as legislações que envolvem tecnologia, para terem eficácia, precisam ser o mais principiolígicas possível, porque os modelos mudam, as aplicações mudam, a tecnologia muda.

E eu acho, por exemplo, que esse é o grande mérito do próprio artigo 19 do MCI [Marco Civil da Internet) que tem sido tão discutido. Ele cria uma regra geral, mas essa regra geral pode admitir exceções. Os outros dois modelos, que eram o notice and takedown ou somente por ordem judicial, que são os extremos do modelo de responsabilização, eles são mais estanques. O que está hoje no Marco Civil admite exceções, de flexibilidade. Então eu acho que essa deve ser a busca nesse projeto.

E aí você tem vários artigos que foram introduzidos ao projeto de lei em função dessa consertação de várias visões, como eu falei inicialmente. O artigo sobre remuneração de conteúdos pelas plataformas digitais é um desses.

Isso é uma dor de cabeça danada, né?

Esse é um outro artigo muito polêmico. E eu vou falar aqui enquanto pesquisadora, e doutoranda, não estou falando em nome do governo e nem do CGI. Eu acho esse artigo muito problemático nesta lei. Eu não acho que o debate sobre remuneração de conteúdo por parte das plataformas não seja importante. Eu só acho que ele não deveria estar sendo feito nessa mesma legislação, porque ele envolve outras complexidades em função de ausências regulatórias que o Brasil tem.

O que é conteúdo jornalístico no Brasil? Quem vai decidir o que é jornalismo ou não? Essa tem sido a minha pergunta recorrente inclusive para o deputado Orlando Silva nas oportunidades que eu tive de conversar com ele sobre o assunto, porque pode parecer óbvio, mas não é óbvio. Quem vai decidir o que é conteúdo jornalístico? A própria plataforma? Porque nós não temos uma regulação profissional no Brasil sobre o que é ou não jornalismo.

Então é um tema que possui complexidades intrínsecas e próprias que, na minha visão, mereceriam tratamento diferenciado. Está lá. Qual a melhor forma de tratar isso lá? Eu acho que a melhor forma é criar uma diretriz aberta para que justamente em uma outra regulamentação possa ser feito um debate mais aprofundado das melhores da melhor maneira de fazer isso.

Se a gente cria algo totalmente fechado primeiro, você tá criando uma lei dentro da outra lei, você já amarra dentro de um debate que é super complexo e eu temo que isso possa não ser o melhor caminho.

É claro que há determinados pontos que você deixa a ponta aberta, mas isso é comum em leis. O que que eu acho que é o mais importante e que fica faltando pelo próprio processo legislativo? É nós discutirmos uma agência, uma autoridade reguladora multisetorial com a participação social para fazer a gestão e a regulamentação desses processos todos que vão ficar abertos no PL 2630.

Mudando de tema, o zero-rating será um debate levantado nessa nova gestão do CGI?

O debate de zero-rating também é outro espinhoso. São assuntos sempre sensíveis, né?

O CGI é um dos principais defensores de um princípio fundamental para pensarmos uma internet descentralizada e democrática, que permite a inovação: a neutralidade da rede.

A neutralidade da rede é um princípio estruturante para uma internet que se proponha democrática. O que nós temos hoje com o zero-rating é que há setores que dizem que isso é um problema mais concorrencial do que de quebra da neutralidade da rede.

Eu acho que o zero rating quebra neutralidade da rede na medida em que você embarca nos dispositivos móveis acessos privilegiados e "gratuitos" a determinadas aplicações da Internet.

Inclusive, na minha visão, é o modelo de negócios do zero-rating no Brasil um dos principais responsáveis pela ampliação do discurso de ódio, da desinformação e desse caos informacional que a gente vive em função do uso malicioso dessas redes sociais. Porque o usuário que acessa a internet, que tem um plano de conectividade baseado em pacote de dados restrito, a internet para essa pessoa é o WhatsApp, é o Facebook e outra aplicação que venha gratuita embarcado no seu aparelho e que não desconta do seu plano de dados.

Como que a gente pode discutir, por exemplo, literacia digital – que é um dos temas que a gente tem procurado do discutir no CGI – se a pessoa não tem dados para clicar na notícia e entrar para ler a notícia inteira? Então eu acho que esse é um tema importantíssimo e, se depender de mim, a gente talvez coloque esse assunto como um assunto importante a ser discutido no âmbito do CGI.

No entanto, é importante entender que o CGI é um órgão de governança multissetorial e a gente tem também representantes de empresas privadas que têm uma visão bastante diferente dessa sobre o modelo econômico do zero-rating. Mas acho que tudo faz parte de um debate que teremos de enfrentar e ver a melhor forma de conduzir.

Entrevista concedida a Laís Martins e Sérgio Spagnuolo

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